paisagem que dança

Ao olhar a foto vejo o que seu olho vê da cena para que eu a veja. a partir disto se estabelece uma relação visual. eu e a imagem. uma imagem mediada por você.este diálogo se estabelece além dos olhos – os seus, ao surgir inicialmente pela ‘fala’ o que você diz (pensa) com sua imagem; os meus, pelo ‘ouvir’, o que dentro de mim diz (pensa) o que está sendo visto.

surge então a pergunta:a minha névoa é igual a sua névoa? a imagem existe em si, mas a que vejo não existe como uma imagem em si, mas uma imagem em mim.eu transformado no meu modo do que vejo.

a imagem há em mim.
chamo então de paisagem.
uma linha.
várias linhas horizontais.

uma linha invisível sobre uma linha invisível ultrapassada por outra linha invisível observada nas possibilidades da água.

água no voo sobre um rio, o mar, o encontro do rio e do mar, e a areia como recortes, ilhas, recortes que se movem nas referências de algum passo marca gesto silêncio ponta ou aresta, um recorte que rasga corta a imagem na sua superfície.

água num momento do sol. um sol a fio – deslumbra espontâneo equilíbrio, manhãs multiplicam-se, e há um peso do silêncio das pausas há um peso do silêncio das consequências há um peso do silêncio dos anônimos para que o que me leve seja leve – quanto à palavra, há de haver para dizer:

água, areia e coqueiros. baías. navios, embarcações. névoas. estas imagens diante são agora apenas minhas. flutuam. eu as sigo através o olho cru de uma linguagem – o verde verde o amarelo amarelo o vermelho que relampeja.

nossa relação está na descoberta.
ou no descobrir-se.

nestas imagens há um devir verbo intransitivo vir a ser; tornar-se, transformar-se, devenir e um devir substantivo fluxo permanente movimento ininterrupto atuante como uma lei geral do universo que dissolve cria transforma todas as realidades existentes.

nosso primeiro contato é o histórico.
vivo minha época.
para isso preciso vivê-la intensamente.

não há perfeição. apenas soluções adequadas para as circunstâncias que se apresentam.
clareza simplicidade objetividade.

há uma realidade e a realidade é banal e cotidiana.
podemos vê-la e tocá-la.
lembro: há uma realidade invisível.

é um fenômeno que requer criatividade, intuição, fantasia, eliminar as certezas, mergulhar na imprevisibilidade, o acaso.

sem esses elementos não tem sentido.
a realidade há em si.

o que é preciso enfatizar está nas traças e nos roedores. eles se definem por um eu sobrepujando-se. ignoram. mas a realidade há. eles a vestem de palavras. meu interesse é desnudá-las.

qualquer imagem traz em cada um de nós os seus sinais. não se deve enfrentar nem abraçar. ela se vincula a uma experiência pessoal (histórica? intelectual? sensorial?). a literalidade é desinteressante. o ato estético é inegociável. uma leitura não é igual a do artista que a produziu, ou de outro espectador, ou de eu mesmo em momentos diferentes. uma imagem projeta uma realidade para projetá-la.

circunstâncias do cotidiano.
fragilidade da vida.
sedução.

lembre Nietzsche:
é preciso muito caos interior para parir uma estrela que dança.

o que há, há de vir a ser.

2

há nestas imagens a necessidade de que entremos em seu jogo, um jogo de revelar e esconder, estabelecido principalmente pela visão da cena vinda de cima para baixo, planos de voo que perpendicularmente se tornam o ponto de partida para qualquer viagem que queiramos ter nestas paisagens.

sim, as denomino paisagens, imagens que buscam o espaço, amplidão de um horizonte formado por linhas horizontais em camadas de cores, e uma névoa que requer ser ultrapassada para que se possam absorver pontos, barcos e ilhas, recortes que não estabelecem figuras, mas o sonho.

nelas há também um lado b, que volto a chamar continuadamente de paisagens, todas na unidade do mesmo ponto de vista vindo de cima, mesmo quando a cena não é retratada do alto, mas com os pés no chão. nestas imagens explicita uma realidade, e o acesso ao que posso chamar cartão postal, pois nelas estabelece-se em si outra viagem, a da geografia.

seja como pássaro ou viajante temos nestas fotos um olhar, o seu olhar, provocado pela espacialidade que as paisagens oferecem em imagens diante do olhar de cada um de nós – sejam névoas, sejam telhados ou coqueiros, elas se expressam na busca de palavras para vir o que está sendo visto, como se sentir não fosse o bastante, ou exercer seguindo Fernando Pessoa, tudo o que em mim sente está pensando, e assim estas imagens de Uiler se multiplicam em muitos olhares, olhares que não precisam pensar palavras. apenas senti-las.

o que há, há de vir a ser.

Claudius Portugal